sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Eu tenho Siringomielia IX


Cirurgia

Completo um ano, nesse outubro, da minha segunda cirurgia. Não tá diretamente ligada a siringomielia. No entanto, ela não pode ser dissociada da doença. As conseqüências refletiriam no meu quadro clínico, comprometendo sobremaneira o que ainda me resta de mobilidade.
Seguindo o jargão médico, a cirurgia foi uma "laminoplastia cervical, C3-C6 porta aberta, e fusão C4C5, à esquerda, com enxerto ósseo local, sem intercorrência".
Vou tentar traduzir: Foi feito um corte nas costas, abaixo da cabeça, de uns 15 centímetros, para colocação de quatro pinos de titânio e uma placa de 10 milímetros, presa por mais dois pinos, na coluna cervical. O procedimento cirúrgico, com duração de cerca de três horas, que não apresentou problemas, foi pra retirar uma hérnia, entre a C3 e C6, - coluna cervical -, considerado ponto crítico nos eretos.
A hérnia, na forma de uma mancha, foi detectada pela ressonância quando do meu retorno ao hospital Sarah, de Brasília, em 2006, ao decidir tratar a siringomielia como moléstia. Ela passou a ser observada a cada revisão e, em 2008, a equipe médica optou pela cirurgia. Foi aí que percebi os acertos em voltar ao hospital e encarar o TFD pra viabilizar os custos de transportes e estadia do tratamento. Eu moro no Espírito Santo.
Coordenada pelo Dr. Henrique Souza, neuro que me acompanha, profissional de admirável serenidade e lucidez nas informações sobre o curso da doença, médico na acepção do termo, a cirurgia teve o apoio de uma equipe multidisciplinar, procedimento rotineiro do hospital.
Com dez dias tive alta e mais oito já estava de volta pra casa, na aldeia, "enforcado" por um colar no pescoço, treco que me azucrinou a vida por mais três meses. Brincadeira a parte, é a nossa contrapartida pra se ter o resultado desejado.
Não custa muito.
Costumo dizer que nossa responsabilidade é de 50%. Os médicos retrucam, afirmando que ela é de 80%.
Foi uma recuperação tranqüila, graças à boa capacidade de regeneração que tenho e o apoio da Paula, minha mulher, sempre pronta pra contar os desvios ao Dr. Henrique.
Na revisão programada pra fevereiro de 2009, tirei a carta-alforria do colar. Tudo nos conformes e livre pra dar pescoçadas pra todos lados, sem precisar de também mover o corpo.
Voltei ao Sarah, em setembro último, pra referendar a recuperação. Os exames mostraram uma cirurgia consolidada, inclusive com a função de ajudar a desobstruir a passagem do líquor pela medula.
Diferente da expectativa vivida com a primeira cirurgia, feita em 1992, na descoberta da siringomielia, a atual foi consciente. Sabia o que seria feito. Lá atrás mentalizei a cura da "mimi". Deu chabu. Não o suficiente pra brecar a vida e os meus sonhos. Viajei por eles até chegar aqui, agora com informações pra entender a doença e continuar pedalando a bicicleta. Até anseio pela possibilidade da cura. Enquanto ela não vem, a vida tá aí e é pra ser vivida. Não dá pra esperar milagre. Milagre somos nós.
O relato ficaria torto caso não registrasse a eficiência da estrutura física, de equipamentos e profissionais do Sarah. Embora o regime trabalhista difera do setor público, o hospital é mantido com recursos do orçamento federal. Pra mim é a mostra clara de que a prestação de serviço público não, necessariamente, seja sinônimo de desorganização e ineficiência.
Arisco a dizer que dificilmente eu teria o mesmo tratamento do Sarah se fosse atendido por qualquer uma das operadoras de planos de saúde do país.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Pereira da Viola - Bolero de Ravel

Aprendi a gostar de música ouvindo os primeiros acordes da viola, cavaquinho e pandeiro. Tinha de quatro pra cinco anos, na Jacutinga, interior de Jerônimo Monteiro, sul capixaba, onde nasci. Foi também quando coloquei as mãos pela primeira vez num instrumento. Isso pelos idos de 1956/57, instrumentos empunhados por uma família que trabalhava nas terras dos meus pais, moradora próxima à nossa casa. Tocavam sempre aos domingos. Em outras ocasiões, os músicos participavam de um programa de auditório, aos domingos, na rádio AM Cachoeiro, de Cachoeiro de Itapemirim. Era a glória para eles e pra nós, assunto que rolava dias e ganhava fama na região. A família mudou, a primeira perda, mas ficou o gosto pela música, principalmente pelo som da viola, um dos instrumentos da linhagem brasilis.
Não tive o privilégio dito por Caetano Veloso - como é bom tocar um instrumento - mas acho que me salvei do lixo que impera hoje.
Exemplo? O vídeo acima.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Atrapalhando a soneca


-Moço, a sua boca tá aberta.
O alerta é de um desses senhores aposentados que passeiam com seus cãezinhos, amarrados nas coleiras, emporcalhando as calçadas das cidades.
Não apoio a criação de animais presos em apartamentos ou casas, principalmente cachorros. Você pode não concordar. Mas é aí que tá a beleza da vida.
Pagando pecados. Uma vizinha deu agora pra pedir os jornais que doou aos recicladores - fazemos isso também com outros materiais recicláveis. É pra sua cachorra cagar e mijar. Tô atordoado com essa heresia, um pedido nada nobre, que vou passar a negar.
O aviso do início foi dado ao Maumau, de Maurício, meu assistente de direção, pra algumas viagens a Vitória, capital capixaba.
Maumau é uma indicação do Abobrão, esse último cria do Luis Ap, grande camarada das lidas jornalísticas, políticas e festas.
O episódio com o Maumau aconteceu nesse outubro.
Enquanto aguardava o médico pra revisão de uma das minhas moléstias, que precisam ser vigiadas, ele a Paula, minha mulher, saíram pra fazer tarefas de rua. Numa das paradas, Maumau aproveitou pra tirar a soneca diária, pós almoço, ali mesmo no carro, extenuado por ter acordado às 5h00, fato não muito usual na sua vida. Só não contava com o flagrante da boca aberta.
E não foi um mal agradecido.
-Pô, muito obrigado! Valeu!
No início do ano, Maumau viveu um grande dilema. Sonhou com um emprego na prefeitura da aldeia, essas promessas que se espalham nas mudanças de prefeitos. Só que condicionou o emprego, desde que "me deixe solto". Tudo em nome da sagrada soneca.
- Tem coisas que só acontecem comigo!
É o resumo da história, pelo próprio, ao ser pego de boca aberta.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A lógica


Do outro lado da foz do rio Itapemirim, sentido Norte, sobrou pra Itapemirim, após a criação do município de Marataízes, no ES, a aldeia, uma pequena faixa de litoral, onde ficam as praias de Itaoca e Itaipava.
A partilha dessa emancipação tem nuances que só a política explica.
Itapemirim abocanhou as terras produtivas do interior, incluindo a Usina Paineiras, produtora de álcool e açúcar.
Marataízes ficou com a maior faixa de praia, 20 km contra cinco, mas é Itapemirim quem recebe a maior fatia de royalties do petróleo, produzido no mar capixaba, ocupando a 5ª posição no ranking estadual. Já a aldeia figura lá pelo 20º lugar, entre os arrecadadores do tributo.
Vai entender a lógica.
Indo ao que interessa, a imprensa do Estado noticiou que o mar voltou a destruir parte da pista, reconstruída há poucos meses, na orla de Itaipava, onde tá também o mais importante porto de pesca capixaba, sobresaindo o atum.
Por conta disso fizeram um enorme espigão no mar, aquele aterro com pedras, pra proteger a área onde os barcos atracam.
Resolveu um problema e criou outro.
Aí tiveram que fazer outro espigão, dividindo a enseada, principal atrativo local, ao meio.
O mar voltou a tomar o que é seu.
Os "çabios" projetaram uma contenção de pedras, na lateral da pista, próxima da areia, pra segurar a fúria da água, acreditando que estava tudo dominado.
Bastou a próxima ressaca do mar, a notícia do jornal.
A declaração de um cidadão, registrada pela matéria, mostra a sua preocupação com a pista por permitir a passagem de um só veículo.
É, precisamos evoluir mais.
Criar e respeitar uma faixa de proteção entre a ocupação urbana e o mar, não faz parte da lógica e nem é prioridade pra maioria das pessoas, que avançam, cada vez mais, com suas construções sobre o mar.
Mas a conta, sempre mais salgada, tá chegando.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A prova

Finalmente só agora foi possível, e graças ao tirocínio/maestria do "colega meu", multi-se-vira-em-todas, vizinho de rua, rafaadrenalia32@, autor da foto ao lado, mostrar a ilustre moradora da "casa das corujas".
Esta é a persona, mais o seu companheiro, o caçador mor da Praia da Cruz, território que demarcaram na aldeia, formam o casal de coruja buraqueira, acolhido por nós, e que se tornou nossa companhia por cerca de dois anos, exercitando uma convivência respeitosa, partindo do princípio que todos podem coabitar Gaia.
Ele aproveitou uma parte quebrada do muro, que dá pra garagem da casa onde moramos, pra se instalar e continuar perpetuando a espécie.
Mudamos pra outra casa na mesma rua e o casal continua lá.
Agora fazemos visita e ele retribui.
Como se vê, ela tá na posição preferida, equilibrando numa perna, com cara de braba, pronta pra defender o seu espaço.
Pena não ter sido possível também captar o som do seu pio, outra forma de avisar pra não se meter com ela.
Ele já cumpriu o ciclo biológico anual de colocar ovos, chocar, cuidar, durante cerca de 50 dias, de mais quatro filhotes, pra povoar ainda mais a aldeia.
Uma nova ninhada, agora, só ano que vem, a partir de maio, salvo não seja expulso na temporada de verão que se avizinha.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Comportamento


Os nossos vizinhos são evangélicos. Inclusive, o da frente de casa, é pastor.
É uma das características da aldeia, o grande número de evangélicos, a ponto da quantidade de templos se rivalizarem com as portas de botecos.
As igrejas católicas também não ficam atrás.
Enfim, a disputa por ovelhas aqui é uma batalha encardida.
Uma das observações sobre os vizinhos são os encontros que realizam. Até agora não extrapolaram, portando-se com certa civilidade, sejam eles realizados durante o dia ou à noite, sempre com hora pra começar e terminar.
Não que não falem alto ou não cantam ou não reproduzam músicas em aparelhos ou não tenham crianças.
A minha teoria é que por não rolar bebida alcoólica, os impulsos ficam mais reprimidos, embora demonstrem uma certa liberação, com o êxtase das músicas ou de algumas brincadeiras. São ávidos consumidores de refrigerantes, ruim pra saúde.
Mas nem tudo são flores. Na quadra seguinte tem uma casa que abriga o Povo Sem Praia. Lá o bicho pega. É reduto pesado, de bebida e pesadelo, do tipo aqui o sistema é bruto.
Qualquer feriado, com o de agora, bate a expectativa de confronto. É caso de polícia, que mesmo sendo acionada - tem o respaldo de uma portaria do juiz local -, não entende o caso como "delito grave". Como se fosse possível contemporizar os tipos de delitos. A pena é até discutível.
No feriado de 7 de setembro, os caras barbarizaram com som alto nos carros, cantadas de pneus, barulho de motos sem o miolo da descarga e conversas com mais de 60 decibéis.
É uma sensação de se sentir refém desses energúmenos.
Vamos ver o que acontecerá.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

As figuras da aldeia I


Em qualquer parte existem figuras típicas que formam o conjunto da sociedade local, sejam por suas características físicas ou por atitudes em público. É o dinamismo da sociedade.
Nada de discriminação, mesmo porque me considero também personagem desse enredo.
A aldeia é um remanso desses tipos. Basta uma manhã por aqui que será capaz de ver dezenas deles nas ruas.
Um dos tipos é formado por uma mulher exótica, na faixa etária do cinquentinha, cabelo sempre pintado na cor branca de boneca da espiga de milho, vestida num short curto, o seu homem, na casa dos quarenta, e a "filha", uma cachorra pinscher.
Cumprem uma rotina diária, pela manhã, de casa até um mercadinho, em fila, na seguinte ordem: A "filha", o pai e a mãe. O pai zeloso, atento aos movimentos da "filha", nos cruzamentos das ruas, chamando pra andar quando desvia ou fica pra trás:
Vamos filha, cuidado filha, corre filha.....
Quando o tempo esfria, ele tem sempre uma fralda para cobri-la e colocá-la em baixo do braço.
Essa rotina já dura uns seis anos.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

É outro dia


O sol voltou e todas as janelas foram abertas pra ele entrar.
É impossível garantir quanto tempo ficara. Melhor que seja assim. Se fosse regulado por um ser humano, a discórdia seria ainda maior. É complicado agradar essa raça. Portanto, deixa como tá. Ora chuva, ora sol.
Toda vez que volta, após uma chuva, o sol traz junto um belo espetáculo para os observadores do tempo aqui da aldeia. Ela fica ao nível do mar e tem no seu oposto, a oeste, toda a cadeia de montanhas que forma a Serra do Mar, maciço que começa em Santa Catarina, vem subindo próximo da costa brasileira, terminando no Espírito Santo, mais precisamente entre os municípios de Ibiraçu e Colatina, onde está o rio Doce.
A luminosidade, nesse retorno do sol, não é intensa e, também, não existem nuvens ou neblina pra embaçar o visual, deixando uma paisagem limpa. Foi o que vi hoje pela manhã, mais uma vez, ao ir à feira do produtor: Recortes e detalhes mínimos de cada montanha, espelhados numa nitidez e coloração azul, coisa de arrepiar, que se estendendo ao longo de todo maciço, por onde o olhar alcança, beleza vista só a partir daqui. Um presente da mãe natureza, generosamente ofertado a todos nós, traduzindo suas diversas formas de vida.
A aldeia permite outro visual pra contemplação. É só caminhar pela praia Nova, próxima da foz do rio Itapemrim, que se tem à frente o mar e ao fundo parte dessa parte da Serra do Mar.
Tá feito o convite. Venha ver!
Ps: O vento nordeste, que tava represado, bate com sua força peculiar. É tempo dele.