A Igreja
de Nossa Senhora dos Navegantes de
Marataízes foi inaugurada em 1887
A Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes de Marataízes foi
inaugurada em 1887, e não em 1771, data que se espalhou por diversos sites da
internet. Inclusive uma fonte oficial dessa "informação" é o luxuoso
documento “Arquitetura Patrimônio Cultural do Espírito Santo“ de 2009,
produzido pela Secretaria Estadual da Cultura, pág.119 da versão online. Quatro
livros e fontes primárias, citados neste texto, atestam o ano de 1887 como da
sua inauguração.
O início da sua construção pode ter ocorrido por volta 1872,
como demonstrou o historiador/pesquisador Gerson França. Ela foi iniciada e
paralisada. Isto fica claro também no livro do Bispo Lacerda, que autorizou o
seu reinício em 24 fevereiro 1886. A inauguração ocorreu em 1887. Este texto é uma contribuição ao debate pra preservação desse patrimônio histórico,
representativo de um período marcante da história capixaba, a ocupação dos seus sertões a partir do Sul do Estado, impulsiona pela cultura do café.
O bispo D. Caetano da Silva da Silva Coutinho visitou duas
vezes o Estado, andanças registradas no livro “O Espírito Santo em Princípios
do Século XIX”. A primeira, em fins de 1811, já instalado na Vila/Itapemirim, registrou:”.....Não
há mais nenhuma capela nem oratório, exceto o já referido da Muribeca, que me
resolvi a deixar na mesma freguesia, apesar de me terem já requerido o
contrario, e o vigário da vara ter informado a favor: 1º porque o vigário de
Itapemirim se opõe;...5º porque é injusto tirar o mais pequeno para dar ao
maior....” pág.45. Na passagem de janeiro de 1820, voltando ao Rio de Janeiro, mostrou
desagrado com o que viu na antiga Igreja de Nossa Senhora do Amparo e renovou a
expectativa de ver concretizada a mudança de local pra onde ela está hoje, centro
da Vila. E nada sobre igreja/capela na Barra.
Da obra de José Teixeira de Oliveira, “História do Estado do
Espírito Santo”:”...À Vila de Itapemirim
compreende: a Freguesia=N.S do Amparo. É filial a ela a capela não curada=N.S
das Neves: é partícula e pertence à fazenda de Muribeca. Pertence a essa
freguesia os arraiais= Marataízes e Itabapoana......” pág.358 nota 2.
Basílio Daemon em “Província do Espirito Santo sua
descoberta, história cronológica, sinopse e estatística” publicou um relatório
de 1879 com o título “Conventos Igrejas
e capelas”, e subtítulo:....“Possui a província as seguintes igrejas, capelas
e conventos em números de 47, e são....”: ..... “Nossa senhora do Amparo
(matriz). E uma capela na colônia do Rio Novo, do município do Itapemirim....
Possui ainda três capelas particulares: Uma na fazenda do Muqui, de propriedade
do capitão Joaquim Marcelino da Silva Lima, na Vila de Itapemirim e duas na
vila do Cachoeiro.......”pág.540.
O quarto livro, de outro bispo, D. Pedro Maria de Lacerda, “Diários
das Visitas Pastorais de 1880 e 1886 à Província do Espírito Santo” deixa
entender que a construção da Igreja N. Sra. dos Navegantes poder ser um marco do périplo dele por aqui pelas vários menções feitas a ela. Recebido com festa nesta
segunda passagem pelo Estado ele desembarcou em 15 de fevereiro de 1886 na foz
do Itapemirim. Da janela da casa do seu anfitrião na Barra, o comerciante Simão
Soares, D. Lacerda após olhar os arredores, escreveu: "...Tive pena de ver os muros
denegridos de uma Capela começada e não continuada; dei a entender que era pena
não prosseguir.....” pág.211 . No mesmo dia ele seguiu pra Vila. Em 24 de fevereiro de 1886,
ainda lá, anotou no seu diário: "... ...O
Simão da Barra veio de proposito agradecer-me muito a licença que dei para
continuação da igreja começada na mesma Barra em honra N. Sra. dos Navegante, e
eu soube que por lá foi tanta a alegria, que logo saíram com banda de musica e
foguetes, e roçaram o terreno e abriram uma subscrição para obra. O mesmo Simão
prometeu um conto de reis, e eu assinei 100$000.......”pág.211.
Fim da sua temporada de cerca de 13 meses no Sul capixaba, D. Lacerda volta para a Barra. Com a comitiva se hospedam na parte superior do Trapiche, devidamente preparado por Simão Soares, local que serviu ainda pra rezar missas, casamentos, batizados, etc, aguardando o vapor
pra levá-los de volta ao Rio de Janeiro. No dia 2 de março de 1887, escreveu:”....Vi
as obras da nova Capela, que esta muito adiantada e toda caiada dentro e fora;
mas ainda que fazer pra concluí-la e não tem ainda Capela-mor......O altar
ainda não está feito, e vai servir um tosco provisório.....Há púlpito portátil
sem gosto......Mas que quer? Na terra não há arquitetos, e um que venha de fora
custa um dinheirão.....Seja o que for, tem a Barra a sua igreja....” pág. 601. Dia
9 de março: ”...Hoje teve lugar a benção da Capela de N. Sra. dos Navegantes....fiz
eu a benção de pluvial e mitra e báculo....”. No dia 10, relatou:”....Acompanhado
de banda, fui à Capela e fiz a sagração de 4 sinos e benzi duas sinetas.....”as
duas anotações estão na pág.606. A primeira missa foi celebrada por ele em 25
de março. Dois dias depois, domingo da Paixão, antes de embarcar de volta à
Corte, D. Lacerda encontrou tempo rezar outra missa.
O documento a seguir é do acervo da Ivilisi Soares de
Azevedo, da família Soares de Marataízes. É uma fonte primária que reforça 1887 como o ano da
inauguração Igreja, lembrando que à época vivia-se o regime do padroado, que
terminou na Constituição de 1891.”Barra
do Itapemirim, 14 de Novembro de 1889, Mmº Exmº. Snr. José Caetano Rodriguez
Costa, M.D Prezidente da Província do Espirito Santo, tendo hoge completado
sessenta annos de idade pela Suprema Mizeriscordia do Todo Poderoso e para
commemorar esse dia para mim tão cheio de prazer, tenho o honra de offerecer ao
Governo Imperial da qual é Sua Exª muito digno Delegado a Igreja que se acha
colocada nesta povoação sob a invocação de Nossa Senhora dos Navegantes feita
as minhas expensas na qual dispendi cerca de vinte contos de reis tendo sido
somente auxiliado pelo Governo Provincial com a quantia de um conto de reis e
algumas esmolas particulares de pequena monta, de sorte que o meo dispendio foi
da quantia acima de 20 contos mais ou menos, desejo que Vossa Exª se dignando
acceitar em nome do Governo Imperial e da nossa Santa Religião continue ella a
servir sob a mesma invocação da Virgem dos Navegantes. Deus Guarde Vª Exª.
Simão Rodrigues Soares."
Publiquei o texto
acima no facebook. O historiador e pesquisador Gerson França, nos comentários,
trouxe outras informações de fontes primárias, corroborando o
entendimento até aqui explicitado. Por exemplo: “Considerando que foi na década de 1770 que se transferiu a sede da
Paróquia, das Minas do Castelo para o Caxangá/Itapemirim, impossível ser de
1771, pois na ocasião só existia a Capela da Fazendinha.” Outra intervenção
dele: “Quanto à data de início da construção (considerando o fato de que,
quando foram reiniciadas as obras em 1886, já havia uma capela inacabada), há
notícia de que em 1872 os moradores da Barra do Itapemirim já a estavam
construindo, às suas expensas e, em 1873, o governo provincial auxiliou
liberando a quantia de 1 conto e meio de réis para ajudar com a obra. Em abril
de 1874, 1 conto de réis dessa verba foi entregue.”
Ainda conforme o
historiador: ”Outros fatos com base documental primária: uma notícia veiculada
no jornal "A Província do Espírito Santo", datada de 04 de março de
1886, assevera o que já foi colocado: "O Rvdo Bispo Diocesano (D. Lacerda)
concedeu permissão para concluir-se as obras da Capela inacabada que existe na
povoação da Barra, e que será consagrada à N. S. dos Navegantes". O mesmo
jornal noticiou, em sua edição de 03 de agosto de 1886, que no dia 17 de julho
do mesmo ano foi realizada a solenidade da "colocação da cumieira da
Capela, que se prepara na Barra do Itapemirim, sob a invocação de N. S. dos
Navegantes". O negociante Simão Rodrigues Soares era quem dirigia a
realização das obras.
Mais do Gerson
França: “Há outra notícia do mesmo periódico, em 07 de agosto de 1886,
informando que no dia 25 de julho do mesmo ano, o Bispo Diocesano visitou as
obras da Capela: "Em sua visita à nova capela dos Navegantes, em
construção (...)".Continuando: Notícia do referido jornal, em 09 de março
de 1887: "Ontem, hoje e amanhã s. exa. revdma estará na povoação da Barra,
procedendo as solenidades da bênção da Igreja, ali recentemente concluída e
dedicada à N. S. dos Navegantes". E para finalizar, do mesmo jornal, em sua edição de 06 de
dezembro de 1889: "O cidadão Simão Rodrigues Soares, capitalista residente
na Barra do Itapemirim, ofereceu ao Governo da República a Igreja, edificada à
expensas suas naquela povoação, sob a invocação de N. S. dos Navegantes". Agora,
do Cachoeirano, de 27 de fevereiro de 1887, informando "que s. exa. o sr.
bispo digna-se de proceder o benzimento da Capela de N. S. dos Navegantes, e a
sua inauguração, no dia 08 ou 09 de março". E, finalizando: “As fontes são
bem claras. Ainda não sei quando foram principiadas as obras, mais tarde
paralisadas; só sei que em 1872 já haviam se iniciado. Acredito que o início
dessa construção não seja muito anterior à essa data. Quanto à sua conclusão, é
inconteste: obras reiniciadas em 1886 e concluídas em 1887.”
A primeira foto é de 1958, de Tibor Jablonsky, publicada num relatório do IBGE, mantendo as características originais.
A outra é do Rafael Pereira de 2013. Ele usou fotoshop pra limpar a rede de fios elétricos da sua frente. Ela sofreu modificações na lateral direita e fundos, onde foram construídos "puxadinhos". Essas intervenções estariam dificultando o seu tombamento pelo Conselho Estadual de Cultura.