quarta-feira, 18 de março de 2009

Eu tenho siringomielia* IV


Outros sintomas


Eu tenho siringomielia. Tocar a vida agora é conviver com ela Sem fatalismo, conformismo, desespero, medo ou ter que baixar a cabeça. Confesso que ainda não havia dimensionado o futuro com ela e não tinha claro comigo o que a doença representaria na minha rotina. Sabia que ela existia, pelas limitações que surgiram, mas continuava produtivo. Era o que importava. Era a vida me testando outra vez. Nada de recuar. Era continuar caminhando no passo aqui tá raso, aqui tá fundo.
Ainda morando em Brasília, decidi, em 1997, formar uma sociedade e construí a escuna Cores do Mar II para passeios turísticos na baía de Vitória. Com capacidade pra transportar 80 pessoas, é uma história de muitos erros e poucos acertos, onde joguei benefícios trabalhistas de 25 anos de carreira, emprego, apartamento e economias. É um tema pra outro post. A menção aqui exemplifica que a "mimi" não podou o meu sonho de continuar ativo, mesmo que as custa de lágrimas, suor e sangue. Sem arrependimento. Embora o preço tenha sido alto, ficou algum aprendizado e, sobretudo, mantive o caráter e a dignidade.
Em 1999, voltei de vez pra planície, ficando pra trás Brasília. A siringomielia, não. Ela, agora, cada vez mais reduzindo a autonomia da marcha, limitada a pequena distância, segurando a bengala com a mão direita. As passadas também ficaram mais lentas. Por outro lado, continuava dirigindo carro sem adaptação ou câmbio automático, subindo pequenas escadas, cozinhando e ainda com razoável equilíbrio pra me manter de pé. Claro, "rokeando" dia sim, outro também. Nada de tratamento. Mas tudo tem uma consequência. Agora, olhando pra trás, é fácil analisar.
Ainda entre 1999 e 2000, aumentou a perda da sensibilidade na perna esquerda. Foi quando também comecei a ter os primeiros "formigamentos" na mão direita. Outros sintomas da siringomielia.
Tudo se juntou ao strees da malfadada sociedade, que tive que pular fora pra não complicar mais a vida, "coroando" com um despejo de moradia. Não parei debaixo da ponte graças ao Sassá. Consegui fazer a travessia e mudei pra Nova Venécia, Noroeste do Estado, novamente coordenando política. A vida foi voltando a normalidade. Casei com a Paula, montamos nossa casa, fundamental pra recarregar as energias e seguir com a vida.
Só que a nada é estático e sempre surgem surpresas...........
No segundo semestre de 2002 baixei hospital por causa de outra moléstia. Foram quase 30 dias internado. Tive minha segunda experiência com a morte, batendo na porta. Quase partir dessa pra outra. Também tá na lista........
Saí de lá numa cadeira de roda, - "cavalo de ferro" por JM - , que me carregou por cerca de quatro meses.
A porrada doeu muito! Agora não era só a "mimi", que ganhou companhia eterna.
O que fazer?
Reconstruí tudo novamente. Atravessei o Espírito Santo de volta, mudando de Nova Venécia pra Marataízes, agora no Sul. Aos poucos recuperei o andar, apoiado na bengala e na mão da Paula, sempre por locais sem obstáculos, não é muito comum pra nós "malacabados". Devolvi o "cavalo de ferro". Voltei a dirigir, inclusive renovando a carteira de motorista sem restrição, e aposentei.
Em 2004, coordenei outra eleição de prefeito e uma transição de governo municipal.
Duro de se entregar, né? Foi uma reconciliação comigo, uma vitória pessoal.
Traçando um paralelo hoje sobre a minha experiência de 19 anos convivendo com a siringomieila, é possível dividi-la em dois períodos distintos. De 1992, ano da sua confirmação, até 2002, como a fase um. Consegui me manter praticamente sozinho, com um bom nível de autonomia pessoal pra cuidar das demandas do dia a dia.
O pós 2002 é da consolidação, com o agravamento de outros sintomas, como a perda da sensibilidade e o surgimento da sequela da doença na mão direita. Além, é claro, da redução drástica na autonomia pra caminhar e a dependência de terceiros pra algumas tarefas do cotidiano.
Tem mais.

*A siringomielia é uma doença na medula. Ela dilata o canal central, criando uma cavidade que pode prejudicar a circulação do líquor. Ela se desenvolve lenta e progressivamente, afetando membros inferiores e superiores, provocando enrijecimento e perda da sensibilidade, além de dor de cabeça, problemas neurológicos e espasmo. Cada caso é um caso. É rara. Não tem cura. É preciso conviver com ela.
Outras informações no http://siringomielia.blogspot.com, em espanhol.