terça-feira, 23 de março de 2010

A viagem que não fiz


"Jerominho", de Jerônimo Monteiro, nascido Vala do Souza e depois Sabino Pessoa, fica no Sul Capixaba. Lá estão enterrados no centro de um extinto curral, crença do ajudante Dominguinhos, abonado pelos pais, os restos do meu umbigo, de parto de parteira, pra dar "sorte" e ser um "fazendeiro de terras e gado".
Por lá por anos passou a Estrada de Ferro Leopoldina, partindo de Cachoeiro de Itapemirim/ES rumo a Carangola/MG, contato nosso com o restante do planeta.
Não foi musicada mas, também, ligava "Minas ao porto, ao mar", como Ponta de Areia/Milton Nascimento, "caminho de ferro/que mandaram arrancar", mesmo destino dado a ela.
A sua fundação é de 1912. A última viagem foi em 1967. A retirada dos trilhos data de 1971, provavelmente para sucata, matando a possibilidade de um circuito pra turismo.
Sobraram às estações descaracterizadas e os túneis, provas incontestes da sua existência.
E, claro, a história oral, como esta.
Durante a sua construção, os moradores da Parada Cristal, bairro de "Jerominho", revoltados, exigiram também uma estação. À época a distância era uma eternidade. Hoje, um pulo. Cederam e a cidade ostenta a primazia de ter duas estações no seu perímetro urbano.
Por seus trilhos/vagões, desci e conheci a "metrópoles" Cachoeiro, um trecho plano, veloz e de maior duração da viagem, onde estão as estações da Parada Cristal, Pacotuba e Coutinho, as duas últimas em terras cachoeirenses. Após Pacotuba, o trem corria às margens do rio Itapemirim, tempo de apreciar o grande volume d'água límpida em seu leito, contrastando com hoje, retrato da estupidez humana.
Em sentido inverso, subi e fui "nu" Alegre" conhecer a cidade jardim do meu "chapaço" - licença Dino -, Macarrão Carias, nas barbas do Caparaó. Viagem que incluía o trem serpenteando uma serra e a passagem por dois túneis.
É reminiscências dos cinco anos de vida, a primeira volta ao mundo além das fronteiras do alto da Jacutinga.
Não fui ao Rio de Janeiro "ver o escrete brasileiro jogar" pelos trilhos da Leopoldina. Não me convidaram pra festa, embora acompanhasse avidamente, com cara de "pidão", os preparativos que aconteciam na casa da Tia Mariquinha. Dos tecidos pra roupas novas, ao sapato e a matula, frango assado com farofa, bolo, biscoito e suco, sustento pra comer na noite interminável rumo à cidade maravilhosa.
Partiam e ficava a expectativa da volta, trazendo uma lembrancinha, e da próxima viagem pra ser o escolhido da vez.
Não aconteceu.
Arrancaram o caminho de ferro e a viagem veio nas rodas do ônibus.