segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Eu tenho siringomielia* II


Diagnóstico & Cirurgia

A existência da siringomielia nunca foi novidade para os livros de medicina. No entanto, acredito, o fato de ser uma doença rara e também pela falta de equipamentos capazes de detectá-la com precisão, começo dos anos 90, dificultaram o seu diagnóstico em mim.
Daí ter passado por mais de cinco neurologistas e todos apostando que o problema era consequência de uma hérnia torácica. Quase cheguei a fazer uma cirurgia ao bater na porta de um neurocirurgião. Também desconfiando, ele me fez chegar ao consultório de um dos "bambans' da neurologia, em Vitória, que participava de um congresso, em Londres. Foi final de 1991.
Assim que retornou fui atendido e, pela primeira vez, ouvi a palavra siringomielia.
Por uma dessas conjunções dos planetas, ele disse que a "mini" foi um dos temas do tal congresso.
Começava, então, a aparecer uma luz no fim da medula.
Sugeriu, prontamente aceita, que procurasse o Hospital Santa Catarina, na Av. Paulista, São Paulo, pra uma ressonância. Era o primeiro exemplar deste equipamento instalado no país - aquele que todo o corpo entra dentro. Se tiver fobia, sifu. Estou na lista dos 20 primeiros "felizardos" a utilizar a tal máquina.
Foram mais de 2h00 de exames, da coluna e cabeça. Dois dias depois fui apanhar o resultado. Nada. Novos exames. No dia seguinte tomei um baita susto ao receber uma caixa com mais de 40 cópias do exame, entre grandes e pequenas películas de negativos de filmes!!!!
Viraram e reviraram a minha coluna e cabeça.
O laudo não cravou siringomielia.
Ainda hoje, passados mais de 18 anos do exame, lembro bem do que estava escrito nele: dilatação no canal da cervical.
Coloquei a caixa de exame em baixo do braço, peguei o avião e retornei a Vitória pra definir com o médico o que estava acontecendo comigo.
É siringomielia, disse.
Pra não ter dúvida, recorreu, também, a um parecer do Hospital Sarah Kubitschek.
Na época não soube dimensionar a extensão da doença.
Não estava acreditando que aquilo acontecia comigo. Nem desconfiava que a "mimi" não me largaria mais pelo resto da vida. E muito menos desconfiava da sua ação lenta, progressiva, comprometendo a autonomia dos movimentos, podendo te levar a uma cadeira de rodas, a usar bengalas ou andador.
Não tive como recusar a proposta da cirurgia, melhor, da corporectomia cervical, no jargão médico.
Pra mim, o que importava ali era me curar, voltar a andar sem o aqui tá raso, aqui tá fundo.
Marcada para uma segunda feira, na sexta chamei os meus amigos/amigas para uma festa Ghost, do outro lado da vida, sucesso nos cinemas naquele 1992.
A festa bombou e a cirurgia correu bem.
Ainda grogue da anestesia, na saída do centro cirúrgico, o médico perguntou se estava tudo bem. Disse sim, mas que gostaria de comer um churrasco.
Passadas 48 horas já estava em casa, com um colar no pescoço.
O corte cirúrgico foi no lado esquerdo do pescoço, na direção da orelha. Foi feita uma raspagem de um material tipo cartilagem, que colocaram num vidro e me presentearam. Guardei aquilo por um certo tempo, mas depois acabei jogando fora, frustrado, pelo resultado pífio da cirurgia.
Fiquei cerca de 30 dias de repouso, na expectativa de recuperar a mobilidade de caminhar. No começo bateu até uma certa esperança.
Era grande a aposta.
Mas com o andar das pernas do mesmo jeito, vi que o buraco era mais acima.
Um episódio ajudou a coroar este enredo.
Quando fui retirar os pontos, o atendente do neurocirurgião me levou para uma sala, que tinha sobre a mesa uma motosera. Assustado, indaguei o por que daquele "instrumento": É pra cirurgia de crânio, respondeu.
Sai assustado e descrente de vez, com um agravante: Sem um aceno do neurocirurgião de que teria de volta meus movimentos.
A vida seguiu e a dificuldade de locomoção foi aumentando.
Até 1993 ainda fazia o percurso de 1,5 km, entre minha casa e o serviço, trecho que incluía uma ladeira, escada, etc.
Mesmo com o aqui tá raso, aqui tá fundo, sempre mantive A VONTADE DE VIVER.
Na época que a doença deu seus sinais iniciais, vivia um momento excepcional na minha vida profissional, iniciando a colheita daquilo que plantei.
Por exemplo, ajudei a eleger um deputado federal e fui trabalhar em Brasília.
Mas antes desta mudança, em 1994, fui ao maraca, no Rio de Janeiro, ver os Rolling Stones tocar, e não o escrete brasileiro jogar.
Tocar a vida era o que me movia.
Então, segui, fui em busca do meu sonho, fazer o que sempre gosto: Trabalhar, aprender e me divertir.
Tem mais.

Volto já, já.......

*A siringomielia é uma doença na medula. Ela dilata o canal central, criando uma cavidade que pode prejudicar a circulação do líquor. Ela se desenvolve lenta e progressivamente, afetando membros inferiores e superiores, provocando enrejicimento e perda da sensibilidade, além de dor de cabeça, problemas neurológicos e espasmo. É rara. Não tem cura. É preciso conviver com ela.
Outras informações no http://siringomielia.blogspot.com, em espanhol.