quarta-feira, 17 de março de 2010

Rasteira política


Paira no ar certo enfado por conta do imbróglio da partilha dos royalties do pré-sal.
Quanta hipocrisia!!!! O cidadão minimamente informado sabe bem do que são capazes deputados federais e senadores. Lá tá o espectro da nossa sociedade.
Não é poeta Luiz Trevisan?
Passei pela Câmara, de 1995 a 98. O episódio que conto a seguir, respeitando suas peculiaridades, é uma pequena mostra daquilo que acontece ali.
Pesquei na correspondência do gabinete um jornal noticiando a tramitação de um Projeto de Lei - PL-, vindo do Senado, da senadora Junia Marise (MG), propondo a inclusão dos municípios mineiros do Vale do Jequitinhonha na Sudene.
A Sudene, agora jurassíca, à época era o pré-sal atual, e se destinava apenas aos Estados nordestinos pra "atrair investimentos" .
Todos queriam entrar pra debaixo das suas asas. Inclusive, nós. A base política do meu assessorado, ex-deputado Federal Adelson Salvador, é o Norte capixaba.
O achado deu gás a um mandato meio a deriva.
Preparamos o PL, relacionando 28 municípios acima do Rio Doce e utilizando dados econômicos do IPEA e pluviométrico do INPE, pra mostrar identidade da região com o Nordeste brasileiro.
O deputado fez seu discurso de praxe e protocolou o Projeto. A repercussão foi emediata na bancada e no Estado.
Três dias depois, entretanto, o PL bate à porta do gabinete com crivo: Inconstitucional.
Como? O da Junia pode e o do Adelson, não?
Ele foi ao encontro do então presidente da Casa, coincidência ou não, Michel Temer (PMDB-SP), que pegou a caneta, colocando o PL pra tramitar.
A iniciativa ganhou ares de redenção para a região e, claro, junto vieram os bicões, criando até uma espécie de árvore genealógica, tipo assim: Decavó, Tataravô, irmão, amante, pai, enfim, qualquer coisa que valha pra surfar nos louros do PL.
A mais bizarra veio da deputada Rita Camata (PSDB). Ela distribuiu aos vereadores da região, cópia do seu PL, embaralhando a relação dos municípios - o original estava em ordem alfabética -, e invertendo os parágrafos da justificativa.
A bola de neve cresceu..
Levamos a Nova Venécia, terra do Adelson, o Michel Temer. Sensibilizado, discursou pra mais de 250 líderes ali reunidos, garantindo a aprovação do Projeto.
Cumpriu sua palavra.
Não com o PL do Adelson, e sim com um artifício regimental, Emenda de Plenário, da Rita, assinada pelas lideranças partidárias. O desfecho foi na sessão que aprovou o PL da Junia Marise e que rejeitou emendas para o Norte fluminense e o Vale da Ribeira, SP.
Aí experimentei a temida "rasteira política" e entendi que pra não figurar no "baixo clero" é preciso articulação política, preparo e conhecimento do Regimento Interno.
E, claro, ter percepção do humor da Câmara, termômetro da sua temperatura política. Se tiver clima, passa tudo. É como abrir a porteira de um curral cheio.
A Sudene nasceu por Decreto Lei, o que, teoricamente, impediria de ser emendada por uma iniciativa do Legislativo.
O nhenhenhém do pré-sal, portanto, é um jogo.
E, político, cabra, não tem gratidão.
O que o zumbi Ibsen Pinheiros (PMDB/RS) fez com sua emenda "bode na sala", prometendo depenar Rio de Janeiro e Espírito Santo, na distribuição dos royalties do pré-sal, é do jogo.
Jogo que fica eletrizante às véspera das eleições.
Que venha o próximo lance.