sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Eu tenho Siringomielia VII


TFD

Ao retomar o tratamento da siringomielia, em 2006, no hospital Sarah Kubitschek, Brasília, após 14 anos da confirmação da doença, um prenúncio de dificuldade espreitou-se no horizonte. Como custear as passagens e a estadia na capital federal? É um centro com custo de vida mais caro do planeta. Vivi isso.
O neurologista, Dr. Henrique de Souza, que acompanha meu caso, encarregou de afastar esse temor, indicando o programa de Tratamento Fora de Domicílio - TFD. É recurso Federal, administrado pelas Secretarias Estaduais de Saúde, pra transportes (aéreo ou terrestre) e diárias (20% do salário mínimo), incluindo acompanhante se for preciso. Passei no Serviço Social do hospital pra mais informações, onde peguei o telefone do órgão no Espírito Santo.
Não procurei logo o TFD, acreditando que era uma questão fácil de ser resolvida, deixando pra bem próximo do retorno ao hospital.
Subestimei à "burrocracia".
Os programas públicos precisam de critérios. Isso não se discute. Sem querer ser simplista, mas transparência e preparo das pessoas são requisitos básicos pra qualquer iniciativa.
As dificuldades começaram com o médico do órgão, que ia lá uma vez por semana, apenas por duas horas. Depois de três tentativas, marquei e não fui atendido. O TFD fica em Vitória, capital. Eu moro em Marataízes, a 137 km de distância. Fui atendido na próxima vez porque falei em acionar o Ministério Público, recomendação da assistente social do Sarah.
A tarefa do médico era indicar outro profissional pra fazer a avaliação do meu caso, preencher os formulários, assinar, atestando que a doença precisava de tratamento fora de domicílio.
De frente com o cabra, otorrinolaringologista, explique tudo a ele da siringomielia. Aparentemente sensibilizado me encaminhou ao Centro de Reabilitação Física do Estado - Crefes -, em Vila Velha.
A consulta foi agendada pra daí a 20 dias. Ao entrar na sua sala vi que o médico não era estranho. Com especialidade em fisioterapia, tinha passado por ele no início de 1990, durante a investigação da "mimi". Ele não esperou que concluísse a explicação, pedindo que voltasse ao TFD pra procurar um neurologista. Nem discuti.
De volta, indicaram os Hospitais Evangélico ou das Clínicas, da rede pública, quesito essencial para se ter o benefício.
Coisa simples, não?
Com ajuda da amiga, Terezinha Rangel, marquei com o neurologista do Evangélico, que morava no Rio de Janeiro e atendia duas vezes por mês no hospital. Ele preencheu o relatório, assinou e carimbou sem que fosse preciso entrar no seu consultório. Numa passada de olhos, avaliei que atendia as exigências. Entreguei ao TFD, confiante.
Uma semana depois, liguei atrás da confirmação. Agora "só servia o laudo do hospital das Clínicas" e que também era necessário "preencher o código do tratamento" para enquadramento no SUS.
Foram cerca de quatro meses nessa peregrinação. A data do retorno ao Sarah esgotou-se, mas minha perseverança, não. Ir em frente e derrotar o monstro, agora, era uma obsessão.
Conversei com o Dr. Orlando Abaure que tratava da outra moléstia em busca de ajuda. Ele contatou a titular da cadeira de neurologia da Ufes - Universidade Federal do ES -, a quem pertence o hospital, a Drª Vera Vieira.
Quando estive internado nesse hospital, a notícia que também tinha a "mimi" correu pelos corredores. A Drª. Vera levou duas turmas de estudantes pra conhecer a avis rara, passando pela sessão "martelinho".
Ao entrar na sua sala o circo estava armado. Sentada numa cadeira, atrás da mesa de trabalho, tinha ao seu redor uma dezena de estudantes. Não era hora de fraquejar. A retomada do meu tratamento seria decidida ali. Expliquei o estágio da "mimi", a decisão pelo Sarah e a busca de ajuda no TFD.
Ela, que tem timbre de voz com sonoridade alta, mirou os pupilos e lascou:
- Acha que não podemos fazer ressonância e acompanhar a sua doença.
Gelei. Tive medo.
Recompus as forças, argumentando que o estágio da doença exigia o tratamento num centro de excelência como o Sarah. Pra não admitir a precariedade local, saiu pela tangente, afirmando que " realmente o Sarah é referência em fisioterapia" e que também "estava sensibilizada" com o pedido do "amigo, Dr. Orlando".
Alívio. Aguardei fora e 20 minutos depois o laudo estava nas mãos, entregue por ela, que saiu andando apressadamente quase não dando de agradecer. Agora restava o carimbo e a assinatura de um diretor do hospital além do código. Nada que não se resolvesse. O código, mais difícil, meu "irmão", Walmir Fioroti, que trabalha na Secretaria de Saúde, se encarregou de achar a chave do mistério.
De posse da papelada, a Paula, minha mulher, xerocou e autenticou uma cópia, como segurança,
e fomos protocolar no TFD. Ao analisar a documentação, a funcionária "descobriu" que meu domicílio, Marataízes, estava subordinado ao TFD de Cachoeiro do Itapemirim, Sul do Espírito Santo.
E agora? Pular do sexto andar do órgão, indo direto para o palco do Carlos Gomes, tradicional teatro capixaba, bem ali, ao lado, e representar o bobo da incompetência, da desorganização e da estupidez de parte do serviço público?
A troca foi excelente. Uma recompensa. Encontrei Angela Babinski, responsável pelo órgão, cidadã preparada, sensata, uma colaboradora correta. Final feliz.
Passei a usar benefício naquilo a que se destina.
É o meu compromisso.